sábado, abril 29, 2006

Era nosso vizinho. Nem era vizinho de viver cá no bairro, mas porque tinha uma oficina em que arranjava carros, aqui ao fundo da rua. E tinha uma boxer cor bolo de mármore que ficava lá a dormir à noite. Dele não sabíamos absolutamente nada, apenas que era mais ou menos da nossa idade e que conduzia um UMM estranho. Mas era às vezes tema de conversa com os nossos amigos porque tinha a particularidade de falar muito alto. No café. Quando falava, e falava de tudo, fazia-o para toda a gente ouvir. Acho que não se apercebia.
Ontem não respondeu quando lhe bateram à porta da oficina, mas como esta estava encostada o outro senhor empurrou-a e entrou. Para o encontrar enforcado no escritório da oficina. Assim. Sem aviso.
De repente a rua pacata transformou-se num cenário de inems e polícia e familiares a correrem e amigos a acorrer. E toda a gente abria os braços e abanava a cabeça. Atónitos. Não compreendem, não sabem porquê, não há nada que o justifique. No entanto, ele fê-lo. Teve coragem e desespero bastantes para o fazer.
Eu não o conhecia, só do café. Até o achava giro, de cabelo curtinho e olhos muito escuros. E tenho pena. Ontem, da minha varanda, fartei-me de lhe chamar nomes em voz baixa ‘palerma, estúpido, idiota’ porque não acredito que exista uma situação tão dramática que justifique o que ele fez. No escritório da oficina, aqui a 50 metros de onde escrevo.

segunda-feira, abril 24, 2006

Ui! Tenho que me despachar. Daqui a pouco eles 
 estão aí. :)

sexta-feira, abril 21, 2006

Nasceu em Julho. Cinco dias depois daquela que foi, até hoje, a noite mais escura de toda a minha existência. Lembro-me que na altura pensei ‘porra! Tinha que ser menina!’ Mas era e era linda.
Aos dez anos passou, pela primeira vez, férias sem os pais. Enfiaram-na dentro de um avião, ao cuidado de uma hospedeira simpática, que ma entregou no aeroporto de Lisboa. Descontraída. Ela, não a hospedeira.
No caminho para a minha casa, e sua nos sete dias seguintes, perguntou-me espantada se eu de facto vivia num apartamento. Esta gente dos subúrbios com garagens grandes devia ensinar aos filhos que há parentes que vivem só e em espaços que deviam ser proibidos por lei.
Vivemos uma semana em grande: fomos quatro vezes ao cinema, sempre com as amigas pipocas, ao zoo, deitamo-nos na relva da praça do império, visitámos marionetas e brinquedos, experimentámos engenhocas científicas e comemos Haggen-Daas quase todas as noites.
Também lhe li histórias antes de dormir. Contos tradicionais portugueses, horríveis, histórias de meios-galos (???), mas ou era isso ou o Easton Ellis…
No primeiro dia deitou-se às dez da noite e nos outros também. O que era bestial: estava a ver a segunda série do S&C e aquela era a minha hora. Na manhã seguinte levantou-se às oito! Eu também… até lhe mostrar onde estavam as bolachinhas e o leite e os copos. A partir daí correu melhor. Tínhamos os nossos horários, os nossos programas de televisão e um pacto!
No final da semana estava pronta para a entregar aos pais e com a minha conta com o saldo negativo.
Ontem liguei-me ao msg e recebi um ‘olá tia’. Falámos imenso, do namorado (k já dura há quase 2 meses), dos planos para as férias (quero ir para Londres tirar um curso de desenho e arquitectura), da vontade de conhecer coisas e lugares (Paris e Itália) e de tantas outras coisas.
Já tem treze anos e mais planos e vontades que eu com a minha idade. E é linda. É mesmo, não é por minha sobrinha. Está mesmo uma adolescente bonita, com um cabelo giro e t-shirts engraçadas.
È a nossa menina!

quinta-feira, abril 13, 2006

A minha expiação

Em contraste com o Natal, a Páscoa era a época mais negra do ano no que toca a celebrações religiosas. Não havia prendas nem músicas de 12 dias, só cantigas tristes e igrejas escuras e senhoras de preto.
Era horrível a Páscoa lá em casa. Católicos como eram os meus pais, basta ver pelos nomes dos filhos mais novos (especialmente o rapaz que teve o azar de nascer no sábado de Aleluia obrigando-o a que desde logo aprendesse a soletrar 'ressurreição' para poder assinar o seu nome…), as coisas eram levadas muito a sério. Naqueles 40 dias após o Carnaval nunca havia carne à sexta-feira e em quase todos os domingos havia uma procissão, dos Ramos, das Pombas, de qualquer coisa. E, como meninos exemplares que éramos, desfilávamos em todas… Tínhamos até adereços próprios da procissão: a escada com que subiram à cruz para retirar o corpo do JC, a lança que lhe atiraram ao coração, etc., com os quais saíamos nas inúmeras procissões com a respectiva túnica púrpura e um cordão branco, com nós a imitar espinhos, na cabeça. Nos pés, sandálias à romana que nos torturavam e faziam crescer bolhas incríveis. Um martírio, digo eu. Mau, muito mau.
Na 6ª feira, o dia mais negro, não se podia ouvir música em casa, o que era o pior dos sacrifícios. A RTP Madeira só passava missas, concertos de música de câmara e a enésima versão da vida do JC. E às 3 da tarde, quando tocava o sino da igreja a lembrar que aquela tinha sido a hora em que o senhor finou, tínhamos que ficar em silêncio. Na minha cabeça é um dia muito escuro. Feio e triste.
O sábado era o limbo, nem para lá nem para cá… todos à espera que o senhor saísse do túmulo para podermos voltar às nossas vidinhas.
Pelo menos o domingo era mais animado. A minha avó almoçava connosco e era uma fartura de carne e de doces. Aleluia!

Com o passar dos anos e com a emancipação dos filhos e com o triunfo da televisão independente as coisas mudaram. Trocamos finalmente as procissões pela praia, após muita luta, ouvíamos música e graças ao leitor de VHS podíamos ver o Regresso ao Futuro ou o Top Gun, sem sombra de pecado.
Mas ainda hoje detesto esta festa da Páscoa. É Primavera, caramba! É suposto estarmos bem dispostos e alegres porque as florinhas já aí estão. Os passarinhos também e até já se pode ir molhar os pés ao mar.
Amanhã estarei sozinha em casa. E já decidi: começo o dia com um pequeno-almoço inglês, muito bacon, salsichas, fiambre, queijo. Já preparei a banda sonora, de Blur para cima. Carne assada ao almoço e às três da tarde System of a Down no gira-discos. Ah! E muitos jornais, televisão e internet nos intervalos. A pecar, peca-se em grande!