sábado, abril 29, 2006

Era nosso vizinho. Nem era vizinho de viver cá no bairro, mas porque tinha uma oficina em que arranjava carros, aqui ao fundo da rua. E tinha uma boxer cor bolo de mármore que ficava lá a dormir à noite. Dele não sabíamos absolutamente nada, apenas que era mais ou menos da nossa idade e que conduzia um UMM estranho. Mas era às vezes tema de conversa com os nossos amigos porque tinha a particularidade de falar muito alto. No café. Quando falava, e falava de tudo, fazia-o para toda a gente ouvir. Acho que não se apercebia.
Ontem não respondeu quando lhe bateram à porta da oficina, mas como esta estava encostada o outro senhor empurrou-a e entrou. Para o encontrar enforcado no escritório da oficina. Assim. Sem aviso.
De repente a rua pacata transformou-se num cenário de inems e polícia e familiares a correrem e amigos a acorrer. E toda a gente abria os braços e abanava a cabeça. Atónitos. Não compreendem, não sabem porquê, não há nada que o justifique. No entanto, ele fê-lo. Teve coragem e desespero bastantes para o fazer.
Eu não o conhecia, só do café. Até o achava giro, de cabelo curtinho e olhos muito escuros. E tenho pena. Ontem, da minha varanda, fartei-me de lhe chamar nomes em voz baixa ‘palerma, estúpido, idiota’ porque não acredito que exista uma situação tão dramática que justifique o que ele fez. No escritório da oficina, aqui a 50 metros de onde escrevo.