quinta-feira, abril 13, 2006

A minha expiação

Em contraste com o Natal, a Páscoa era a época mais negra do ano no que toca a celebrações religiosas. Não havia prendas nem músicas de 12 dias, só cantigas tristes e igrejas escuras e senhoras de preto.
Era horrível a Páscoa lá em casa. Católicos como eram os meus pais, basta ver pelos nomes dos filhos mais novos (especialmente o rapaz que teve o azar de nascer no sábado de Aleluia obrigando-o a que desde logo aprendesse a soletrar 'ressurreição' para poder assinar o seu nome…), as coisas eram levadas muito a sério. Naqueles 40 dias após o Carnaval nunca havia carne à sexta-feira e em quase todos os domingos havia uma procissão, dos Ramos, das Pombas, de qualquer coisa. E, como meninos exemplares que éramos, desfilávamos em todas… Tínhamos até adereços próprios da procissão: a escada com que subiram à cruz para retirar o corpo do JC, a lança que lhe atiraram ao coração, etc., com os quais saíamos nas inúmeras procissões com a respectiva túnica púrpura e um cordão branco, com nós a imitar espinhos, na cabeça. Nos pés, sandálias à romana que nos torturavam e faziam crescer bolhas incríveis. Um martírio, digo eu. Mau, muito mau.
Na 6ª feira, o dia mais negro, não se podia ouvir música em casa, o que era o pior dos sacrifícios. A RTP Madeira só passava missas, concertos de música de câmara e a enésima versão da vida do JC. E às 3 da tarde, quando tocava o sino da igreja a lembrar que aquela tinha sido a hora em que o senhor finou, tínhamos que ficar em silêncio. Na minha cabeça é um dia muito escuro. Feio e triste.
O sábado era o limbo, nem para lá nem para cá… todos à espera que o senhor saísse do túmulo para podermos voltar às nossas vidinhas.
Pelo menos o domingo era mais animado. A minha avó almoçava connosco e era uma fartura de carne e de doces. Aleluia!

Com o passar dos anos e com a emancipação dos filhos e com o triunfo da televisão independente as coisas mudaram. Trocamos finalmente as procissões pela praia, após muita luta, ouvíamos música e graças ao leitor de VHS podíamos ver o Regresso ao Futuro ou o Top Gun, sem sombra de pecado.
Mas ainda hoje detesto esta festa da Páscoa. É Primavera, caramba! É suposto estarmos bem dispostos e alegres porque as florinhas já aí estão. Os passarinhos também e até já se pode ir molhar os pés ao mar.
Amanhã estarei sozinha em casa. E já decidi: começo o dia com um pequeno-almoço inglês, muito bacon, salsichas, fiambre, queijo. Já preparei a banda sonora, de Blur para cima. Carne assada ao almoço e às três da tarde System of a Down no gira-discos. Ah! E muitos jornais, televisão e internet nos intervalos. A pecar, peca-se em grande!

1 Comments:

Blogger AlmaAzul said...

Posso subscrever? :)

***Azuis

4:31 da tarde  

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